Como toda criança, eu sempre contei os segundos para a chegada das férias. E eu tinha apenas dois singelos planos em mente: dormir o quanto meu corpo aguentasse (acreditem, sou muito boa nisso!) e comer uma panela inteira de brigadeiro assistindo à sessão da tarde.
Tudo era cuidadosamente escolhido. Eu esperava o dia em que iria passar o filme perfeito para mim. Qualquer um com AMOR no nome ou um casal apaixonado no roteiro já era suficiente. Eu ia até o mercadinho perto de casa e comprava uma lata de leite condensado e depois eu mesma fazia minha receita predileta: 3 colheres de achocolatado Toddy, uma colher de margarina e fogo bem baixinho, para a massa ficar lisa e brilhante. E todo esse ritual era muito, mas muito bom.
Quando eu resolvi trabalhar com brigadeiros, a única Brigadeiria conhecida no Brasil era a Maria Brigadeiro. Tinha visto na Ana Maria Braga a Juliana contando que fazia brigadeiros para os amigos e então, resolveu vendê-los. Achei que poderia dar certo para mim também. E só pensei que meu brigadeiro tinha que ser bom, mas muito bom.
Comprei o melhor leite condensado do mercado, a melhor margarina e resolvi substituir o achocolatado por chocolate em pó, que achei que traria um sabor mais marcante. E mais uma vez, fiz minha receita favorita.
Cinco anos depois, em meio a um mar de Brigadeirias, eu ainda estou aqui. E vez ou outra me deparo na internet com doceiras esbravejando que brigadeiro gourmet é o que leva chocolate belga, que sem ingredientes especiais não se pode falar em produtos gourmet, que granulado não é chocolate, que doces gourmet tem preço e gosto diferenciados, abaixo os falsos gourmet!!!!!
Essa carapuça não me serve, porque acho que nunca chamei meus produtos de gourmet, no máximo, brigadeiros finos. E diante de tamanha argumentação e protestos, Deus me livre, nem nunca vou chamar... Mas confesso que me sentia meio fora da casinha, já que não uso chocolate belga, nem nunca fiz nenhum docinho com reduzido de vinagre e flor de sal, uso granulado para enrolar os docinhos (sacrilégio!) e chocolate em pó na massa. Assim, fica claro que restava para mim o castigo de "não ser gourmet".
Até que um dia, enquanto enrolava meus cajuzinhos e muitos beijinhos, encontrei um pessoal que, estes sim, poderiam ser a minha "tchurma"! Pelo poder de despertar memórias afetivas ligadas à infância ou a
qualquer outro período especialmente feliz da história de cada um, descobri que esta
variedade de comida caseira e artesanal recebe o rótulo de comfort food ou culinária afetiva. Afetiva? Adorei!
Li que o termo ganhou força por aqui na última década, mas que não é novo, está desde 1972 no americano Webster’s Dictionary. Mais do que uma
culinária farta e descomplicada, trata-se de uma derivação da comida
caseira e envolve necessariamente uma boa dose de emoção, bem como
lembranças afetuosas, tanto de quem cozinha quanto de quem come. São receitas domésticas, muitas até fora de moda, como picadinho de carne e pudim de leite condensado, por exemplo. E eu não estou mais sozinha no mundo! (Apesar de que não estar com todo mundo não é uma coisa necessariamente ruim.)
Não é à toa que a afetividade aparece até no nome que escolhemos... Cozinho com amor as mesmas receitas que aprendi em casa, com minha mãe e minhas tias. Preparo os mesmos doces que enfeitavam minha mesa de aniversário, entrego para as minhas clientes o mesmo sabor que sirvo para os meus filhos. Exerço, todos os dias, o ofício de cozinhar com açúcar e com afeto. Tudo isso para que cada um que passar por mim, coma um brigadeiro bom, mas muito, muito bom mesmo.